terça-feira, 1 de junho de 2010

Arqueologia pode ajudar a introduzir modelo de cultivo sustentável na Amazônia

Quem vê as monoculturas de soja e milho, os grandes pastos de gado e obras monumentais que se instalam na Amazônia brasileira, nem imagina que um dia aquela região já foi seca e abrigou diferentes cultivos por sua extensão. Para entender como tudo isso funcionou e por que a área se transformou neste grande campo esverdeado com vários biomas dentro de um só, é preciso encontrar o caminho das pedras.


São cerca de 200 sítios arqueológicos espalhados pela floresta. Através deles, arqueólogos conseguem descobrir e entender as transformações físicas, climáticas e sociais ocorridas na região. Mas não pense que é assim tão fácil achar a rota certa para se chegar aos mistérios que rondam a Amazônia. Para identificar e explorar um sítio arqueológico, é preciso tempo e técnica para observar minuciosamente cada detalhe desde o solo a rotina dos moradores da região.

Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, explica que a função da arqueologia na Amazônia é tentar contar a história da região através dos indícios de ocupação humana encontrados no local: “as pessoas tentam justificar os conflitos agrários atuais com o argumento de que a ocupação da região prejudica o ecossistema e não é bem assim. A arqueologia mostra que a floresta vem sendo ocupada há séculos, e que o problema de hoje é o modo exploratório como este processo se dá e não a falta de terras, como insistem em dizer políticos e outros interessados nos conflitos.”

Cada hectare, uma língua

Estima-se que na Amazônia existiam mais de 250 etnias espalhadas pela floresta. Hoje elas somam cerca de 70 e ainda se mantêm agrupadas entre si, apesar do maior e mais intenso intercâmbio cultural entre índios e não índios. Este dado seria irrelevante se não revelasse a solução para a ocupação da região: “através dos diferentes tipos de solo e de objetos escavados podemos observar que cada etnia tinha seu jeito de cultivar a terra, o que tornou a floresta uma policultura produtiva, sem contudo, destruir o ecossistema”, explica Eduardo Neves.

Para o arqueólogo, é possível um desenvolvimento sustentável na região e nossos antepassados têm muito a nos ensinar na medida em que deixaram indícios de que a melhor forma de cultivar as terras na região é a policultura mais artesanal: “eles usavam a natureza para seu autossustento e isso era feito sem uso de agrotóxicos, fertilizantes ou queimadas. Os índios e a população local sabem como preservar aquela terra, quem não sabe são os que vêem de fora atrás de riquezas. É uma questão de apropriação da cultura e dos meios de produção adequados para aquela região”

Um solo fértil em meio à floresta

Outra descoberta bastante importante da arqueologia na Amazônia nos últimos anos é a presença de um tipo de solo fértil e escuro, chamado de solo preto dos índios, que além de revelar o modo de sobrevivência dos povos antigos e dar pistas aos arqueólogos sobre a evolução humana na região, sustentam boa parte da população de municípios como Iranduba, onde os moradores vivem do cultivo agrícola neste tipo de solo: “a terra preta é a prova de que a ação humana pode trazer benefícios quando coordenada por um sistema de ocupação produtivo. Ela se formou a partir da deposição de matéria orgânica e inorgânica no solo ao longo de séculos e permanece até hoje na maioria dos sítios arqueológicos da região”, explica Eduardo Neves.

“Essa denominação, terra preta de índio, é resultado do modo de trabalho e de vida dos índios na região. Há nela, grande quantidade de material como fragmentos cerâmicos, carvão e artefatos líticos (de pedra), usados por eles há centenas de anos, que tornaram a terra fértil e preta, como e chamada”, continua.

É melhor prevenir do que ocupar

Segundo Eduardo Neves, outra importante função da arqueologia em áreas como a Amazônia, é fazer uma espécie de trabalho preventivo para avaliar a viabilidade da implantação de determinadas obras no local: “através da arqueologia é possível saber se uma obra é ou não viável ao local. Um exemplo disso foi o que ocorreu no Largo da Bata em São Paulo, onde descobriram grande quantidade de material arqueológico durante as obras do metrô, e mais recentemente a intervenção de arqueólogos e moradores locais, na construção da Usina de Belo Monte, no Pará, alertando os perigos da obra”, diz Eduardo Neves.

“Escavando conseguimos precisar a fertilidade, fragilidade e espessura do solo; o tempo que uma obra levaria para destruir a área aonde irá se instalar e até quantos povos já exploraram o mesmo local, mas não conseguimos mudar os interesses econômicos e estratégicos de vários grupos na região”, continua. Porém, apesar de tantos benefícios, a arqueologia traz um grande impasse: “uma vez explorado, o sitio arqueológico não se recompõe. Ele deixa de ser útil e produtivo para a arqueologia, daí a importância da escolha certa na hora de determinar que sitie explorar e do bom senso de perceber quando é hora de parar”, explica Eduardo.

Enquanto os interesses financeiros levam ao uso predatório da terra, a arqueologia vai escavando as respostas para a solução dos impasses agrários que rondam a região: a sustentabilidade, já velha conhecida dos povos antigos que ocupavam a região.

Por: Natália do Vale


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